Apetite pelas palavras
Para escrever sobre comida, o primeiro requisito que apresento é... apetite. Depois vêm o prazer e a alegria.
A pura felicidade surge na partilha.
Aqui vou colocando as minhas receitas e as receitas que as inspiram, recordo escritores e autores de comida e trago à luz do dia os livros (ai os livros!), que são a minha perdição e que, espero, acalentem outros corações na descoberta de memórias e no exercício dos sentidos. O efeito semelhante ao de bolos quentes que trazem consigo o aroma de casa feliz.
Cresci pertinho dos meus avós, embalada pelas suas regras e as suas histórias. A avó Elisa fazia papas de milho e filhós como ninguém. Era a grande matriarca e com muito pouco montava mesa farta, gulosa e bonita. No tempo dos 17 anos, quando as horas pareciam eternas para lá dos estudos, da dança e dos amigos, a coleção de revistas "Teleculinária" da avó Lurdes começou a criar em mim enorme fascínio. Eu folheava divertida aquele conjunto de cadernos de cozinha e ela permitia que eu, a neta menina e mimada, sonhasse sobre aquelas páginas já anotadas e gastas.
Nesta dança de palavras e bolos e doces, eu era feliz e avançava apaixonada nas primeiras tentativas de pastelaria caseira.
A rapariga dos bolos começou a tomar forma na cozinha da mãe Alice, cujo forno, transtornado, passava o dia exausto de tanta fúria na experimentação. E a semanada que o pai Frederico tão generosa e religiosamente entregava perdia-se para sempre na gula de novas revistas e livros. O equivalente ao prazer solitário de saborear gomos finos de laranja cristalizada mergulhados em chocolate negro num dia frio dia de Inverno.
Bolosofia é um projeto nascido em 2008 e que me levou a dedicar, de forma séria e continuada, à pastelaria artesanal, aquela que, com muito amor e paciência, vemos nascer nas nossas cozinhas. A este espaço de comunicação trago a palavra escrita em simbiose com os sabores, texturas, cheiros e aparências na experiência da pastelaria. Sinto que é algo que temos em comum, universal e unificador.
Acredito que o conforto que vem das maçãs fatiadas, do caramelo acabado de fazer, da massa areada estendida, do açúcar quebradiço num bolo de arroz, envolve até os mais céticos. Estou certa de que o carinho e atenção colocados nos pratos e talheres e flores distribuídos numa mesa de refeição, acolhe os humanos num ponto de encontro de amor e diálogo. A paz no mundo também se cozinha à mesa.
Neste espírito de experiências sensoriais, doces e amargas, ácidas e pungentes, procuro o bolo perfeito. Aquele que nos traz à presença de memórias, na degustação, e que simboliza a arte que coopera com a alma produtiva do pasteleiro.
Ou melhor, da rapariga dos bolos, como alguém me batizou em tempos.
P.S. Trabalhar com as mãos na massa é uma terapia praticada pela rapariga dos bolos.